Prototipagem e parcerias

É possível traçar a história da humanidade (e de suas diferentes formas organizacionais) em três grandes estágios. O primeiro é marcado pela competição extrema, com desdobramentos perversos, em que a própria vida vivia constantemente em perigo. Foi um período de anomia, em que a lei inexistente era sinônimo da vontade do mais forte e poderoso. Guerras, desconfianças, desigualdades, relações assimétricas de poder e toda sorte de atributos de violência predominavam. Contudo, aqui e ali já se ensaiavam, gradativamente, experiências de acordos comunitários e intercomunitários. O segundo período foi o advento da lei, que configurava um estágio mais avançado da capacidade racional e da colaboração humanas. A lei ocupou o lugar das guerras na resolução dos conflitos entre os membros das comunidades e até mesmo entre as comunidades, uma vez que as nações ainda não foram formalmente criadas. A guerra ainda existia em grande quantidade, como existem até hoje, mas a cada vez eram impedidas ou descontinuadas com o arbítrio da razão formalmente retratadas nas leis. O terceiro estágio é o atual, constituído por grandes associações de nações (União Europeia, Mercosul etc.) reguladas por tratados colaborativos, com o império das leis funcionando até nas relações entre duas pessoas, como é o caso das uniões afetivas. Esses estágios mostram a passagem da competição para a colaboração, que modernamente é chamada simplesmente de parceria, conceito fundamental para os desafios de prototipagens.
A ideia de parceria é originaria dos agentes que as compõem, que compõem as suas partes. Sob a ótica da prototipagem, as parcerias podem ter como agentes duas ou mais pessoas, pessoas e organizações e entre organizações. As parcerias entre as pessoas podem ser esporádicas, como são os casos da realização de atividades específicas e pontuais, ou contínuas, realizadas ao longo de determinada etapa da prototipagem ou todo o processo de inovação. As parcerias entre pessoas e organizações têm nas atividades de consultoria feitas por profissionais altamente especializados de forma autônoma a uma ou mais organizações de determinado projeto de inovação, como é o caso dos serviços executados por cientistas de dados mediante contrato. Finalmente, as partes podem ser constituídas de organizações, como é o caso das instituições de ciência e tecnologia que se consorciam com outros tipos de organizações para a realização das inovações.
O que leva essas partes a formarem parcerias é a necessidade de colaboração. Colaborar é trabalhar juntas, seja para realizarem o mesmo serviço, seja para a execução de atividades complementares e interconectadas. O primeiro caso é típico de quando a demanda é muito grande e é necessário um quantitativo maior de produção para dela dar conta; o segundo é muito utilizado (e o mais frequente) quando uma organização ou pessoas não têm expertise ou capacidade de realização o suficiente para dar conta de todas as atividades de todas as etapas da prototipagem. Colaborar é trabalhar junto para materializar o protótipo, acordado formalmente.
Há diversas modalidades de colaboração, como os acordos (em que as partes não se unem enquanto entidade), as uniões e alianças (em que as partes se unem temporariamente) e as fusões e incorporações (em que as partes se unem definitivamente). Dentro de cada modalidade há diversos formatos de operacionalização das parcerias, dependendo, de certa forma, do resultado pretendido e das três forças que estruturam as colaborações: confiança, igualdade e compreensão. O resultado pretendido é o protótipo, entendido em todas as diversas fases porque deve passar até ser considerado aprovado em todos os testes e retestes previstos no projeto para que entregue os benefícios que dele são esperados.
Apesar das diversas modalidades e formatos, quatro são as grandes decisões acertadas entre as partes para efetivar uma parceria de inovação tecnológica: 1) capacidade legal das partes, 2) objeto lícito, 3) forma prescrita ou não proibida pela lei e 4) consentimento livre e espontâneo das partes. Em primeiro lugar, as pessoas e organizações precisam ser capazes de celebrar o contrato. Se a lei exige que diplomados em medicina, por exemplo, façam parte dos experimentos de determinado medicamento, essa capacidade tem que fazer parte dos sujeitos do protótipo, de maneira que todos estejam capacitados em conformidade com a lei. Em segundo lugar, o protótipo que será o alvo pretendido pela equipe e seus parceiros tem que estar coberto pela legislação ou não pode por ela ser proibido. Sem autorização legal, por exemplo, não posso formar um contrato de produção de uma bomba nuclear ou um artefato de destruição. Em terceiro lugar, a parceria precisa cumprir os requisitos legais relativas ao protótipo, seus benefícios e outros aspectos fundamentais. Por exemplo, toda prototipagem que parta da produção científica prévia está coberta pela lei dos direitos autorais e lei de direitos de propriedades, dentre outras. E em quarto lugar, nenhum parceiro pode assinar a parceria de forma coercitiva, uma vez que ninguém deve ser obrigado a fazer ou deixar de fazer o que não quer, a não ser por força de lei.
O que queremos mostrar é que a prototipagem é essencialmente uma prática de parceria. Não aquela ideia romântica e fantasiosa de voluntarismo entre os membros de um projeto e suas organizações. O que a ciência e a prática chamam de parceria é a prática explícita da lei nos relacionamentos colaborativos entre as pessoas e as organizações. Quando se pensar em fazer parcerias, é fundamental que sejam definidos, pelo menos, as partes envolvidas, seus objetivos, recursos a serem compartilhados, responsabilidades de cada uma de todas as partes, duração da parceria, condições de rescisão e dissolução e outros termos acordados entre as partes.
Nosso tempo já pode ser considerado como o da prática das parcerias porque a cada dia aumenta a quantidade de relacionamentos baseados em contratos, estruturados de acordo com a lei. Diferentemente das primitivas eras da competição, em que morte, genocídio e destruição eram os alvos, o tempo das parcerias gera como resultados a inovação, o bem-estar e o aumento da capacidade criativa humana.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Pesquisar